Decisão: DECISÃO TERMINATIVA:
Autos nº 2549311-5/2009 – Pedido de Liberdade Provisória
Requerente: EDSON SOUZA SILVA
Vistos estes Autos nº 2549311-5/2009 – Pedido de Liberdade Provisória - em que EDSON SOUZA SILVA pede, através da Defensoria Pública Estadual, a restituição do respectivo direito de livre locomoção, alegando que foi preso e autuado em flagrante delito, por imputação de Furto, mas é primário, possuidor de bons antecedentes e residência certa e conhecida. Pede alfim, a concessão de liberdade provisória vinculada a uma fiança criminal, com dispensa do pagamento, com base nos artigos 323 c/c 350, do Código de Processo Penal Brasileiro. Não juntou, o requerente, nenhum documento. DECIDO. EDSON SOUZA SILVA realmente teve seu direito de livre locomoção injusta e ilegalmente cerceado, no último dia 4, em face de auto de prisão em flagrante lavrado pela autoridade policial da 6ª CP desta Capital, que o indiciou em inquérito regular na citada unidade administrativa por infração ao artigo 155, do Código Penal Brasileiro (Proc. 2542759-9/2009). Consoante a citada peça de coerção, o requerente teria sido preso em face de um furto praticado no interior do Supermercado BOMPREÇO filial de Campinas de Brotas, nesta capital. No caso dos autos, a D. Representante da Defensoria Pública Estadual apenas fez encaminhar o requerimento em que solicita deste Juízo a concessão de liberdade provisória para EDSON SOUZA SILVA. Não comprova primariedade do requerente, não traz nenhum elemento indicativo dos seus bons antecedentes, não apresenta nenhuma prova de que, realmente, o requerente reside no endereço indicado como de seu domicílio. No que pertine a EDSON SOUZA SILVA, a ausência de comprovação do quantum alegado na peça inicial de fls. 2 a 6, impede a que seja analisada a possibilidade de conceder o benefício postulado. Contudo, verificando o auto de prisão em flagrante lavrado em desfavor do requerente, percebe-se que toda a ação por ele desempenhada foi filmada por um eficiente sistema eletrônico com circuito interno de TV o que permitiu aos agentes encarregados da segurança do estabelecimento comercial vítima monitorar os passos de EDSON SOUZA SILVA e impedir que o mesmo consumasse a subtração da mercadoria por ele apreendida. Em assim sendo, a conduta imputada a EDSON SOUZA SILVA, sem embargo de ser aparentemente típica (tipicidade formal), constituiu-se, em verdade, na figura jurídica que o legislador penal conceituou como CRIME IMPOSSÍVEL. Com efeito, dispõe o Código Penal Brasileiro: “Art. 17. Não se pune a tentativa quando, por absoluta ineficácia do meio ou por absoluta impropriedade do objeto, é impossível consumar-se o crime”. No caso dos autos, mostra-se claro que todos os movimentos realizados por EDSON SOUZA SILVA no interior do SUPERMERCADO BOMPREÇO foram vigiados – mais que isso, monitorados – pelo sistema interno de vigilância eletrônica de que é dotado o citado estabelecimento comercial, tendo os próprios funcionários da segurança do estabelecimento vítima destacado em seus contatos com os militares chamados para fazer a prisão do requerente que a ação do mesmo foi inteiramente filmada e acompanhada pelo circuito interno de TV, descrevendo, assim, uma insofismável e induvidosa tentativa absoluta inidônea em razão do meio. Parece lógico a qualquer julgador e mesmo para pessoas leigas que estando o agente permanentemente vigiado e monitorado por um eficientíssimo sistema de vigilância pessoal e eletrônico, qualquer tentativa de subtração de bem ou de mercadoria restará frustrada por absoluta ineficácia do meio e, em casos assim, estará plenamente comprovada a figura do art. 17 da Lei Substantiva Penal Brasileira. Neste sentido está o julgamento que efetuou a 7ª Câmara Criminal do TJRS, na Apelação Criminal nº 70013686977, Relator Des. NEREU GIACOMOLLI, dia 09/03/2006, cuja ementa vale transcrita: “EMENTA: CRIME CONTRA O PATRIMÔNIO. FURTO EM SUPERMERCADO. VIGILÂNCIA CONSTANTE. SISTEMA DE VÍDEO. CRIME IMPOSSÍVEL. 1. Não há falar em tentativa de furto quando o acusado já havia sido flagrado furtando, durante a manhã, pelo sistema eletrônico de vigilância do supermercado e, postos em alerta os funcionários, caso ele retornasse ao estabelecimento comercial. Circunstancia em que o meio utilizado pelo acusado é inidôneo à concretização dos elementos do tipo, mesmo na forma tentada. 2. Ao pressentir que seria descoberto, ainda nas dependências do supermercado, logo após passar pelos caixas, o agente abandonou o carrinho com bebidas, saiu do local e foi preso. APELO DEFENSIVO PROVIDO”. Mutatis mutandis, é o caso dos presentes autos. Ainda que impossível não fosse a consumação do furto, tem-se que a conduta imputada a EDSON SOUZA SILVA, sem embargo de ser típica do ponto de vista meramente formal - visto como se amolda ao quanto preceituado no art. 155, caput, do Código Penal Brasileiro - e do oferecimento da exordial acusatória tem todos os contornos da figura jurídica que o legislador penal conceituou como CRIME BAGATELAR. Isto em face da teoria constitucionalista do delito - o novo funcionalismo – onde o injusto punível ganhou nova roupagem, uma vez que a sua conceituação foi ampliada para abranger as mais recentes modificações e tendências introduzidas na doutrina e na jurisprudência alienígenas, sobretudo no que respeita a tipificação da conduta criminalizada. Por ela, o Direito Penal deve se ocupar, preferencialmente, dos comportamentos humanos que possuam potencial de lesividade e configurador de dano grave ou relevante a bem jurídico protegido pela norma penal. E isso se torna importante na medida em que é fundamental e imperioso aplacar a sanha punitiva que hoje prepondera na comunidade, em virtude da mídia comunicativa que direciona a opinião pública, e impele, quase sempre, o operador do direito ao erro grosseiro de imaginar p.e. que o Direito Penal é a solução para todos os males que afligem a sociedade e, destarte, influir para que se apliquem condenações e punições a quem, na maioria das vezes, já não dispõe de esperanças de progresso. Não se pode olvidar da natureza fragmentária do Direito Penal que, sendo ultima ratio, deve interferir o menos possível na vida em sociedade e, como tal, deveria ser utilizado somente quando os demais ramos do Direito forem incapazes de proteger adequadamente o bem jurídico invocado. Significa dizer, enfim, que somente em face da inexistência de outro modo de tutela do bem jurídico por qualquer dos outros ramos da ciência jurídica é que se deve utilizar o Direito Penal. O ordenamento jurídico, como um todo, cuida de uma infinidade de bens e interesses particulares e coletivos. Ao Direito Penal cabe a menor parcela no que diz respeito à proteção desses bens dada a sua natureza fragmentária, significando dizer, que ao direito penal interessam somente os bens mais importantes e necessários ao convívio em sociedade. Se de um lado, a intervenção mínima somente permite a interferência do Direito Penal quando estivermos diante de ataques a bem jurídicos importantes, por outro lado o princípio da lesividade limita ainda mais o poder punitivo do Estado, operando verdadeira descriminalização de certas condutas. Por esse princípio as proibições penais somente se justificam quando se referem a condutas que afetem gravemente a bens ou direitos de terceiros. Por fim cabe falar aqui, no princípio da insignificância, que tem por finalidade auxiliar o intérprete na análise do tipo penal e, com isso, excluir do âmbito de incidência da lei penal aquelas situações consideradas como de bagatela. Assim sendo, para se ter um fato como delituoso, há que se verificar se o a conduta do agente, por si só, provocou um impacto relevante no bem jurídico tutelado In casu, tem-se a informação de um possível furto tentado onde a res furtiva é representada por uma (1) garrafa de uísque marca Johnnie Walker Red Label que, se fosse efetivamente retirada do estabelecimento vítima representaria, uma lesão mínima, merecendo em face da sua irrisoriedade, ser excluída do âmbito de incidência da lei penal. Há ainda que se filiar o princípio da razoabilidade, pelo qual não é razoável e tampouco haverá justa causa na deflagração de uma ação penal por uma conduta que, não obstante seja materialmente atípica, implique, pelo seu desvalor em um processo criminal com todos os seus desdobramentos e conseqüências, muitas das quais irreparáveis. Sabe-se, hoje, que a tipicidade não é mais meramente formal, ou seja, para que a conduta humana seja considera crime – injusto punível – necessário é que seja prevista em lei penal – tipicidade formal - e que tenha causado uma lesão objetivamente relevante ao bem jurídico protegido por esta mesma lei penal – tipicidade material – significando dizer que conduta humana que, embora prevista em lei, não acarrete lesão relevante ao bem jurídico legalmente protegido, não é típica e, por conseguinte, não é crime. Isto assim posto, convicto de que a ausência dos elementos de análise e comprovação quanto a primariedade, os bons antecedentes e a residência do requerente, julgo improcedente o pedido de liberdade provisória de fls. 2 a 6. No entanto, de ofício, relaxo a prisão de EDSON SOUZA SILVA, reconhecendo, em seu favor, a prática de crime impossível ou, na pior das hipóteses, de crime bagatelar. Expeça-se o ALVARÁ DE SOLTURA. Publique-se. Intimem-se. Registre-se. Salvador, 14 de abril de 2009. ALMIR PEREIRA DE JESUS JUIZ CRIMINAL
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