Decisão: DECISÃO TERMINATIVA
Ação Penal nº 1505284-3/2007
Autor: o Ministério Público Estadual
Acusado: JACIARA DE JESUS FREITAS
Vistos estes autos da Ação Penal nº 1505284-3/2007 em que o Ministério Público Estadual imputa a JACIARA DE JESUS FREITAS, já qualificada nos autos, a prática do crime descrito no artigo 155, caput, c/c o art. 14, inciso II, ambos do Código Penal Brasileiro, por fato supostamente ocorrido no interior do estabelecimento comercial das LOJAS RENNER, situado no Shopping Iguatemi, nesta Capital. Narra a exordial acusatória fulcrada no Inquérito Policial nº 246/2006 (fls. 05/22), que, no dia 15 de dezembro de 2006, por volta das 12h50min, a denunciada tentou, deliberadamente, subtrair uma bermuda e uma saia jeans, totalizando o valor de R$ 95,00 (noventa e cinco reais). Extrai-se, ainda, que no momento em que a denunciada tentou deixar o estabelecimento comercial, portando a res furtiva dentro de sua bolsa, foi abordada por seguranças do estabelecimento, devido ao disparo do alarme. Os objetos furtados foram recuperados e devolvidos ao estabelecimento comercial (fls. 16). Refletindo mais pausadamente sobre o fato e sobre as circunstâncias em que o mesmo ocorreu, é possível vislumbrar, na conduta da acusada o crime impossível, bem como a irrelevante lesão ao patrimônio da empresa – vítima. Senão vejamos: É sabido - porquanto público e notório - que o estabelecimento vítima é dotado de um eficientíssimo sistema de vigilância pessoal e televisiva, além de um eficaz sistema de alarme, de tal modo que se torna impossível, a qualquer agente, a consumação de subtração de mercadorias, incidindo, in casu, o que dispõe o art. 17, do Código Penal Brasileiro. Por mais que a acusada tentasse, não conseguiria jamais consumar a subtração de mercadorias das LOJAS RENNER, posto que seus passos, dentro daquele estabelecimento, estavam sendo vigiados, quer pelo pessoal da vigilância, quer pelo sistema interno de câmeras de TV ali instalado. Sendo, assim, forçoso admitir que a conduta imputada à denunciada, inobstante pareça típica do ponto de vista meramente formal - visto como se amoldaria ao quanto preceituado no art. 155, caput, c/c art. 14, II, ambos do Código Penal Brasileiro – constituir-se-ia, ainda que afirmada fosse a autoria, na figura jurídica que o legislador penal conceituou como CRIME IMPOSSÍVEL. Com efeito, dispõe o Código Penal Brasileiro: “Art. 17. Não se pune a tentativa quando, por absoluta ineficácia do meio ou por absoluta impropriedade do objeto, é impossível consumar-se o crime”. Necessário se faz observar, ainda, que, para bem decidir a questão mister se faz revisitar alguns dos princípios norteadores do Direito Penal quais sejam, o da intervenção mínima, o da lesividade, o da adequação social, o da fragmentariedade e o da insignificância. Pelo princípio da intervenção mínima, também chamado de ultima ratio, o Direito Penal deve interferir o menos possível na vida em sociedade, somente devendo ser solicitado quando os demais ramos do direito forem incapazes de proteger adequadamente o bem jurídico invocado, ou seja, somente em face da inexistência de outro modo de tutela do bem jurídico por qualquer dos outros ramos do direito é que se deve utilizar o Direito Penal. Por ser um princípio limitador do direito punitivo do Estado, é também o responsável pela chamada DESCRIMINALIZAÇÃO DE CERTAS CONDUTAS. Se de um lado, a intervenção mínima somente permite a interferência do direito penal quando estivermos diante de ataques a bem jurídicos importantes, o princípio da lesividade limita ainda mais o poder do legislador no que diz respeito às condutas que poderão se incriminadas pela lei penal. Por esse princípio as proibições penais somente se justificam quando se referem a condutas que afetem gravemente a direitos de terceiros. O tema tem relevância na medida em que distinguimos como finalidade primacial do Direito Penal justamente aquela de dar proteção a bem jurídico relevante gravemente lesado ou ameaçado gravemente de lesão (ou violação), ou seja, justifica-se o direito penal na proteção de bens jurídicos, porém estes hão de ser relevantes e a lesão (ou ameaça de lesão) há de ser grave. Por este princípio, torna-se compreensível a teoria da tipicidade material. A teoria da adequação social significa que apesar de uma conduta se subsumir ao modelo legal não será considerada típica se for socialmente adequada ou reconhecida, isto é, se estiver de acordo com a ordem social da vida historicamente condicionada. Como corolário dos supramencionados princípios, tem-se o princípio da fragmentariedade, i. e. o ordenamento jurídico como um todo se preocupa com uma infinidade de bens e interesses particulares e coletivos. Contudo, nesse ordenamento, cabe ao Direito Penal a menor parcela no que diz respeito à proteção desses bens. Ressalta-se, portanto, a natureza fragmentária do Direito Penal, lhe interessando somente os bens mais importantes e necessários ao convívio em sociedade. Este princípio tem muito a ver com o princípio da lesividade, podendo-se afirmar, sem erro, que um complementa o outro. Todos esses princípios desaguam no princípio da insignificância, que tem por finalidade auxiliar o intérprete quando da análise do tipo penal, para fazer excluir do âmbito de incidência da lei aquelas situações consideradas como de bagatela. Assim sendo, para se ter um fato como delituoso, há que se verificar se o mesmo, por si só, provocou um impacto relevante no bem jurídico tutelado. É a situação do caso em tela, pois os objetos do furto – uma bermuda e uma saia jeans, totalizando o valor de R$ 95,00 (noventa e cinco reais) – representaram para a vítima uma lesão mínima, irrisória, merecendo tal conduta ser excluída do âmbito de incidência da lei penal. Diante do exposto, quer pelo crime impossível, quer pela irrelevância da lesão ao patrimônio da empresa vítima, e como uma conduta para ser considerada criminosa deve preencher os requisitos da tipicidade e da antijuridicidade, não sendo vislumbrado nos autos esses elementos, não houve delito, razão pela qual REJEITO A DENÚNCIA ofertada nestes autos contra JACIARA DE JESUS FREITAS, com esteio no art. 395, II e III, do Código de Processo Penal. Publique-se na íntegra. Registre-se. Intime-se a acusada. Após, cumpra-se o disposto no art. 809, § 3º, do Código de Processo Penal. Arquivem-se, depois, com baixas. Salvador, 31 de março de 2009. Bel. ALMIR PEREIRA DE JESUS , JUIZ CRIMINAL
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