Decisão: PROCESSO nº. 140.94.423136-8.
IMPUGNANTE: LOCAPAR LOCALIZA PARTICIPAÇÕES E ADMINISTRAÇÃO LTDA
IMPUGNADA : COMERCIAL DE IMÓVEIS TOKAIA LTDA
DECISÃO INTERLOCUTÓRIA
LOCAPAR LOCALIZA PARTICIPAÇÕES E ADMINISTRAÇÃO LTDA ofereceu IMPUGNAÇÃO (fls. 409/414), em fase de cumprimento da sentença condenatória de fls. 91/93, ratificada pelos acórdãos de fls. 186/188 e 209/212, aduzindo, em síntese, a manifesta ocorrência de excesso de execução, consubstanciada na alegação de que os cálculos apresentados pela Impugnada não foram baseados nos parâmetros delineados na sentença.
Alega a Impugnante que a sentença foi prolatada em 10.10.1996, sendo esta a data marco da rescisão do contrato de locação e, por conseqüência, data final para o pagamento dos aluguéis. Aduz também que os cálculos confeccionados pela Impugnada não observaram o percentual de 38,8% do valor da locação à época, e que foi um dos pedidos da inicial, eis que a área objeto da ação e do comando sentencial corresponde a 38,8% da área total locada, sendo a cobrança dos aluguéis referente a esta área e não à sua totalidade. Assevera não caber a multa de 10% prevista no art. 475-J do CPC, pelo fato da sentença de mérito ter transitado em julgado quando ainda não vigia a Lei nº 11.232/05. Juntou planilha de cálculos às fls. 414, reiterada às fls. 447, indicando como devido o valor de R$ 115.973,00.
O pedido de cumprimento da sentença foi formulado às fls. 300/301, instruído com os documentos de fls. 302/309. Intimada para pagar a importância devida (cf. fls. 314 e 318v), a Impugnante, ao tempo em que informou a propositura de ação rescisória (fls. 322), procedeu ao depósito do valor a que foi condenada, conforme guia acostada às fls. 360.
Como o depósito não se deu a título de pagamento, eis que o intuito não foi satisfazer o crédito, mas apenas “garantir o juízo” (sic), foi aplicada a multa de 10% prevista no art. 475-J do CPC, nos termos fundamentados na decisão de fls. 369/370. Na oportunidade, foi determinada a desocupação total do imóvel, a lavratura do termo de penhora sobre o valor objeto do depósito e a intimação da Impugnante para assinar o referido termo e oferecer impugnação, querendo.
Oferecida a Impugnação (fls. 409/414), antes mesmo do seu recebimento, sem efeito suspensivo (fls. 437), a Impugnada manifestou-se sobre a mesma, nos termos de fls. 416/418, refutando todos os seus termos.
Termo de penhora (fls. 436), ficando a Impugnante intimada. Como o fundamento da impugnação fosse o excesso de execução, determinou-se a realização dos cálculos pela Central do TJBA (fls. 437), os quais vieram aos autos às fls. 449/514, com total indicado às fls. 509. As partes se manifestaram sobre tais cálculos às fls. 519/524 e 526/527, respectivamente.
Sendo incontroverso, deferiu-se o levantamento de valores (fls440 e 515/516).
É O NECESSÁRIO A RELATAR. DECIDO.
Trata-se de impugnação em cumprimento de sentença, oferecida pela Ré, ora Impugnante, nos autos da Ação de Despejo, em fase de execução, insurgindo-se contra os cálculos de fls. 303/309, apresentados pela Impugnada, alegando excesso de execução, com base no art. 475-L, V do CPC. Como prova do alegado, colacionou a planilha de cálculos de fls. 447, ao reiterar suas razões de impugnação por meio da petição de fls. 442/446.
Ao compulsar detidamente os autos, verifica-se que a presente Impugnação não merece prosperar, sob a fundamentação a seguir aduzida.
Inicialmente, cabe esclarecer que, apesar do trânsito em julgado da sentença ter ocorrido em 21.03.2005 (fls. 286v), o pleito de execução da sentença, formulado às fls. 300/301, ocorreu em 14.06.2007, portanto, quando já vigia a Lei nº 11.232/05.
Sobre a incidência imediata das novas regras aos processos em trâmite, decidiu-se:
“RESP. AÇÃO DE PRESTAÇÃO DE CONTAS. SEGUNDA FASE. INCIDÊNCIA DO ART. 475/J DO CPC. TRÂNSITO EM JULGADO. SENTENÇA ANTERIOR À LEI 11.232/2005. 1. Uma vez transitada em julgado a sentença que, na segunda fase da ação de prestação de contas, declara a existência de um crédito em favor da empresa-autora, na forma do art. 918 do Código de Processo Civil, adequada a aplicação da letra do art. 475-J, deste mesmo diploma legal, ainda que anterior a decisão à sistemática introduzida pela Lei 11.232, de 22 de dezembro de 2005, por força da norma do art. 1.211 daquele Código. 2. Recurso especial não conhecido” (REsp 1.026.610/RS, 4a Turma, Rel. Min. Fernando Gonçalves, DJe 12/08/2008)”.
“PROCESSUAL CIVIL. APLICAÇÃO INTERTEMPORAL DA LEI 11.232/05. CUMPRIMENTO DE SENTENÇA. PENHORA REALIZADA SOB VIGÊNCIA DA LEI ANTIGA. INTIMAÇÃO DA PENHORA, ATO PENDENTE E COLHIDO PELA LEI NOVA, PODE SE REALIZAR NA PESSOA DO ADVOGADO DO EXECUTADO, NOS TERMOS DO ART. 475-J, §1º, CPC. - Embora o processo seja reconhecido como um instrumento complexo, no qual os atos que se sucedem se inter-relacionam, tal conceito não exclui a aplicação da teoria do isolamento dos atos processuais, pela qual a lei nova, encontrando um processo em desenvolvimento, respeita a eficácia dos atos processuais já realizados e disciplina, a partir da sua vigência, os atos pendentes do processo. Esse sistema, inclusive, está expressamente previsto no art. 1.211 do CPC. - Se pendente a intimação do devedor sobre a penhora que recaiu sobre os seus bens, esse ato deve se dar sob a forma do art. 475-J, §1o, CPC, possibilitando a intimação do devedor na pessoa de seu advogado. Recurso Especial provido. (Resp nº 1.076.080, Rela. Min. NANCY ANDRIGHI)”.
Tem-se, assim, que os atos pendentes a serem praticados na fase de cumprimento de sentença iniciada pelo ora Impugnado passam a ser regidos pela Lei nº 11.232/05.
Com efeito, a reforma da execução, ocorrida em duas partes, teve como principal objetivo dar maior celeridade ao processo de execução, privilegiando a efetividade da prestação jurisdicional. Tanto assim, que não se tem mais processo de execução de títulos judiciais, mas, o processo desdobra-se em apenas outra fase, intitulada de “fase de execução do julgado”.
Assim, foram criados mecanismos mais céleres para a execução do julgado, constituindo-se o art. 475-J, do CPC, um dos pontos mais importantes da reforma processual, pois, ao estabelecer a multa de 10%, favorece o cumprimento voluntário da sentença, em privilégio à autoridade da coisa julgada.
O tema chegou pela primeira vez ao STJ e foi julgado na Terceira Turma, sob a relatoria do Ministro Humberto Gomes de Barros, em meados de agosto de 2007., sendo que os Ministros determinaram que o termo inicial dos 15 dias previstos na lei deve ser o trânsito em julgado da sentença. Passado o prazo, independentemente de nova intimação do advogado ou do devedor para cumprir a obrigação, incide a multa de 10% sobre o valor da condenação.
Confira-se a ementa do acórdão:
“LEI Nº 11.232/2005. ARTIGO 475-J, CPC. CUMPRIMENTO DA SENTENÇA. MULTA. TERMO INICIAL. INTIMAÇÃO DA PARTE VENCIDA. DESNECESSIDADE. 1. A intimação da sentença que condena ao pagamento de quantia certa consuma-se mediante publicação, pelos meios ordinários, a fim de que tenha início o prazo recursal. Desnecessária a intimação pessoal do devedor. 2. Transitada em julgado a sentença condenatória, não é necessário que a parte vencida, pessoalmente ou por seu advogado, seja intimada para cumpri-la. 3. Cabe ao vencido cumprir espontaneamente a obrigação, em quinze dias, sob pena de ver sua dívida automaticamente acrescida de 10%.” (STJ – Resp 954859/RS – 3ª Turma – Rel. Min. Humberto Gomes de Barros – j. 28/07/2007)
Em seu voto lapidar, o Relator enfatiza que “o bom patrono deve adiantar-se à intimação formal, prevenindo seu constituinte para que se prepare e fique em condições de cumprir a condenação. (...) Se, por desleixo, omite-se em informar seu constituinte e o expõe à multa, ele (o advogado) deve responder por tal prejuízo”.
Saliente-se que, in casu, não se observou nem mesmo o rigor mencionado no acórdão em enfoque. Isto porque, seguindo a linha esposada pelo STJ, o cumprimento deveria decorrer automaticamente do trânsito em julgado da sentença, que, conforme certidão exarada às fls. 286v , ocorreu em 21/03/2005.
Este Juízo, por cautela, com a baixa dos autos, procedeu a intimação para cumprimento da sentença, na forma do art. 475-J, do CPC, despacho este publicado no DPJ de 24/09/2007, consoante certificado às fl. 315.
Portanto, a incidência da multa se deu somente após o ato deste juízo e, ainda, após verificar-se que a Impugnante tinha deixado o prazo para cumprimento da sentença escoar sem o devido pagamento, não obstante intimação pessoal (fls.318v).
A Impugnante alega ainda que são devidos os aluguéis até a data da prolação da sentença, onde ficou determinada a rescisão do contrato de aluguel. Contudo, a Impugnante ocupou o imóvel até a data de apresentação dos cálculos confeccionados pela Impugnada, pelo que entende este Juízo serem devidos os aluguéis até a data da efetiva desocupação do imóvel.
Com efeito, consistindo o pagamento mensal de aluguel em prestação pecuniária periódica, incide na hipótese a presunção legal segundo a qual as obrigações que vencerem no curso do processo estão incluídas no pedido do autor, independentemente de manifestação expressa nesse sentido, sobretudo por conter mesma natureza jurídica e decorrerem de um único negócio jurídico, como preceituado no art. 290 do CPC, in verbis:
Art. 290 - Quando a obrigação consistir em prestações periódicas, considerar-se-ão elas incluídas no pedido, independentemente de declaração expressa do autor; se o devedor, no curso do processo, deixar de pagá-las ou de consigná-las, a sentença as incluirá na condenação, enquanto durar a obrigação.
Sobre o tema, ensina Joel Dias Figueira Jr que "se, durante o curso do processo, o devedor deixar de pagar ou consignar quaisquer das prestações periódicas, o inadimplemento haverá de ser considerado quando da prolação da sentença de condenação e enquanto durar a obrigação, tantos quantos forem os descumprimentos. (...) Na verdade, a sentença condenatória abrangerá tanto as prestações vencidas até a data de sua prolação quanto as que se vencerem a posteriori até o adimplemento total da obrigação de trato sucessivo. Em outras palavras, haverá de perdurar a abrangência da sentença, enquanto perdurar o negócio jurídico a respeito do qual decorrem as prestações" (Comentários ao Código de Processo Civil. vol. 4, tomo II. São Paulo: RT, 2001, p. 126).
No mesmo sentido, a jurisprudência:
"As prestações vincendas (periódicas) consideram-se implícitas no pedido, devendo ser incluídas na condenação, se não pagas, enquanto durar a obrigação, dispensando-se novo processo de conhecimento. II - A norma do art. 290, CPC, insere-se na sistemática de uma legislação que persegue a economia processual buscando evitar o surgimento de demandas múltiplas. III - Irrelevante que as prestações futuras possam vir a ter seus valores alterados. O que a norma exige é que sejam elas da mesma natureza jurídica, independentemente do seu "quantum". (STJ – REsp. 157.195/RJ, Rel. Min. Salvio de Figueiredo Teixeira, DJ. 29.03.1999; grifou-se).
“Sendo as prestações de aluguel obrigação de trato sucessivo, aplica-se a regra prevista no art. 290 do CPC, devendo ser incluídas na condenação as parcelas vincendas. A data da entrega das chaves é que delimita a data até a qual deverão ser pagos os aluguéis; inexistindo, porém, a aludida entrega, as parcelas vincendas deverão ser pagas até o momento em que houve efetiva imissão de posse da locadora, porquanto somente neste momento teve ela acesso ao imóvel” (TAMG, 6ª Câmara Cível, Apelação Cível nº 2.0000.00.420149-6/000, Rel. Juiz Dídimo Inocêncio de Paula, data de julgamento em 25.03.2004, ementa parcial)”.
No tocante aos cálculos, também não assiste razão à Impugnante. Constata-se que os cálculos apresentados pela Impugnada (fls. 303/309), especificamente à fl. 305, se comparados aos cálculos elaborados pela Impugnante à fl. 524, são praticamente idênticos. Em ambos, nas colunas de “Índice de Reajuste”, nada diferem. Também nas colunas “Aluguel Original” (Impugnada) e “Valor Original do Aluguel” (Impugnante) são iguais, sendo desiguais quanto à atualização monetária e quanto ao momento final da cobrança dos aluguéis.
Observa-se, também, que os cálculos apresentados pela Central de Cálculos do TJBA (fls. 449/514) foram elaborados nos mesmos moldes dos cálculos apresentados pelas partes. Precisamente à fl. 510, comparando-se com a fl. 306 (Impugnada) e fl. 524 (Impugnante), até o mês de outubro de 1996, os valores são praticamente os mesmos.
Saliente-se, por fim, que julgada a impugnação, perdem sentido o pleito de atribuição de efeito suspensivo e a querela acerca dos levantamentos dos valores depositados e penhorados, porquanto não há previsão legal para a retenção judicial dos valores devidos ao exeqüente quando seu crédito já foi certificado em processo de conhecimento e já foi confirmado no julgamento da impugnação.
Ante o exposto e por tudo mais que dos autos consta, REJEITO a presente IMPUGNAÇÃO AO CUMPRIMENTO DE SENTENÇA e, em conseqüência, determino o prosseguimento da execução, nos termos do cálculo totalizado às fls. 507/509, que integra esta decisão, observando-se:
a) que os honorários advocatícios não foram incluídos nos cálculos, porquanto já foram pagos (alvará de fls. 440);
b) que os aluguéis devem ser pagos até a efetiva desocupação da área em litígio.
c) A incidência da multa de 10% sobre o valor depositado às fls. 360, com base na fundamentação supra expendida e no quanto já determinado no decisum de fls. 369/370.
Deixo de condenar a Impugnante em honorários advocatícios, por ausência de amparo legal, considerando a nova feição do cumprimento de sentença no Código de Processo Civil.
Após publicação desta decisão e decorrido o prazo para recurso, com ou sem manifestação, o que certificará o cartório, voltem-me para deliberação sobre o levantamento do valor depositado.
Oficie-se ao Banco do Brasil para que informe o valor atualizado do depósito judicial, intimando-se a seguir a Executada, sob pena de penhora, para depositar:
a) o valor da multa fixada no item c desta decisão;
b) a diferença entre o valor do depósito judicial e o valor total indicado às fls. 509, no prazo de 15 (quinze) dias, sob pena de penhora.
P.R.I.
Salvador, 18 de março de 2009.
LAURA SCALLDAFERRI PESSOA
JUÍZA DE DIREITO
|